Um País de CanalhasPensar Portugal. Nós somos um país de «elites», de indivíduos isolados que de repente se põem a ser gente. Nós somos um país de «heróis» à Carlyle, de excepções, de singularidades, que têm tomado às costas o fardo da nossa história. Nós não temos sequer núcleos de grandes homens. Temos só, de longe em longe, um original que se levanta sobre a canalhada e toma à sua conta os destinos do país. A canalhada cobre-os de insultos e de escárnio, como é da sua condição de canalha. Mas depois de mortos, põe-os ao peito por jactância ou simplesmente ignora que tenham existido. Nós não somos um país de vocações comuns, de consciência comum. A que fomos tendo foi-nos dada por empréstimo dos grandes homens para a ocasião. Os nossos populistas é que dizem que não. Mas foi. A independência foi Afonso Henriques, mas sem patriotismo que ainda não existia. Aljubarrota foi Nuno Álvares. Os descobrimentos foi o Infante, mas porque o negócio era bom. O Iluminismo foi Verney e alguns outros, para ser deles todos só Pombal. O liberalismo foi Mouzinho e a França. A reacção foi Salazar. O comunismo é o Cunhal. Quanto à sarrabulhada é que é uma data deles. Entre os originais e a colectividade há o vazio. O segredo da nossa História está em que o povo não existe. Mas existindo os outros por ele, a História vai-se fazendo mais ou menos a horas. Mas quando ele existe pelos outros, é o caos e o sarrabulho. Não há por aí um original para servir?
Vergílio Ferreira, in 'Conta-Corrente 2'
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quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Os Tempos não
Os tempos não vão bons para nós, os mortos.
Fala-se de mais nestes tempos (inclusive cala-se).
As palavras esmagam-se entre o silêncio que transportam.
É pelo hálito que te conheço no entanto
o mesmo escultor modelou os teus ouvidos
e a minha voz, agora silenciosa porque nestes tempos
fala-se de mais são tempos de poucas palavras.
Falo comigo de mais assim me calo e porque
te pertence esta gramática assim te falta
e eis por que não temos nada a perder e por que é
cada vez mais pesada a paz dos cemitérios.
Manuel António Pina
in Todas As Palavras
segunda-feira, 29 de outubro de 2012
Os meus Amores
São lindos os crisântemos!
Foram sempre as minhas flores preferidas, gosto do cheiro, da textura..., contrariamente ao que o comum dos mortais diz, lhes lembrar morte e cemitérios, a mim lembram-me vida e muito boas recordações dos meus amores que partiram.
Os meus amores vivem em mim, são um espelho em que me revejo todos os dias. Não lhes encontro defeitos, apenas a sua maneira de ser que tanto admirei e por isso adoro os crisântemos.
quarta-feira, 17 de outubro de 2012
Livro de cabeceira, de sofá etc.
" Se a vossa geração tiver detença",
lhe pedi, "desfazei aquele nó
que ora embrulhou aqui minha sentença.
A Divina Comédia de Dante
" O inferno"
lhe pedi, "desfazei aquele nó
que ora embrulhou aqui minha sentença.
A Divina Comédia de Dante
" O inferno"
Cá dentro
Ando às Voltas
Na vontade de mim entranhas de livros
Ânsia de entrar e não sair
Universos de outros que só agora posso lembrar
Tudo é sede em mim
Água que me aquece na sede que em mim despertou
Livros
Livros
Isaura M.Sousa
Na vontade de mim entranhas de livros
Ânsia de entrar e não sair
Universos de outros que só agora posso lembrar
Tudo é sede em mim
Água que me aquece na sede que em mim despertou
Livros
Livros
Isaura M.Sousa
sábado, 7 de julho de 2012
O Medo
O MedoNinguém me roubará algumas coisas,
nem acerca de elas saberei transigir;
um pequeno morto morre eternamente
em qualquer sítio de tudo isto.
É a sua morte que eu vivo eternamente
quem quer que eu seja e ele seja.
As minhas palavras voltam eternamente a essa morte
como, imóvel, ao coração de um fruto.
Serei capaz
de não ter medo de nada,
nem de algumas palavras juntas?
Manuel António Pina, in "Nenhum Sítio"
sexta-feira, 6 de julho de 2012
Momento
Porta do universo.
O sorriso é o conforto que se espera
A mão que nos toca
Juntam-se silêncios e carinhos
Sal de lágrimas que partem
Amansam os sentidos e as palavras têm asas
Quedamo-nos mudos
Felizes
Isaura M.Sousa
Vontade
Pintura de Mark Rotko
Rara será a existência que actualmente se não deixe balouçar ao sabor das correntes, cada hora impelida a um rumo diferente pela última notícia que se leu ou pela última conversa que se teve. Sem fim a que aponte, a alma da maioria dos homens flutua na vida com a fraca vontade e a gelatinosa consistência das medusas; um dia se sucede a outro dia sem que o viver represente uma conquista, sem que a manhã que renasce seja uma criação do nosso próprio espírito e não o fenómeno exterior que passivamente se aceita e que por hábito nos impele a um determinado número de acções; desfez-se a crença em que o mundo é formado pelo homem, em que o reino de Deus terá de ser obtido, não como uma dádiva dependente do arbítrio de um ente superior, mas como a paciente, firme, contínua construção dos seus futuros habitantes. Daí a facilidade das entregas aos que ainda aparecem com dedos de escultor, daí os desânimos e as indiferenças, daí o supor-se que apenas surgimos no mundo para nos garantirmos, diariamente, um almoço, um jantar e uma casa; perdem-se as almas nas tarefas inferiores do existir, nenhuma grande aspiração de beleza, de liberdade e de amor guia através das noites obscuras e dos cerrados nevoeiros aqueles mesmo que nasceram mais fortemente desprendidos das animalidades primitivas.Há como que o prazer da desordem, da irresolução, do pensamento confuso; quase se tornou censurável marchar com a regularidade dos astros, divinizou-se o acto imprevisível e o gesto que vem contrariar o do momento anterior; ninguém pára um instante para reflectir, coordenar as ideias, eliminar as que se mostram incapazes de em acordo se ligarem ao que de seguro ficou estabelecido. A fala medida e o silêncio que fazem possível o diálogo e pelo diálogo a viagem aos bordos mais longínquos do universo cederam o lugar a um discurso plural que deve ser aos ouvidos de Deus como zumbido importuno de insecto que teima em passar através da vidraça; quebra-se a barreira ateniense da harmonia e a barreira espartana da vontade e dá-se livre curso aos ímpetos, aos repentes, aos caprichos; troca-se o manso fluir dos grandes rios, a ondulação poderosa e calma do mar largo pelos cachões e as espumas das correntes que se entrechocam e batem. Que loucura vos tomou, meus irmãos homens? Urge que apeeis o Acaso do lugar divino que lhe destes, que lanceis, como diques e caminho da vida, as fortes linhas da inteligência ordenadora e da vontade, que acima de tudo se habitue a vossa alma a construir a existência com a pureza, o nítido recorte e a querida abstenção da estrofe de um poema."
Agostinho da Silva
Agostinho da Silva
segunda-feira, 18 de junho de 2012
Demissão
DemissãoEste mundo não presta, venha outro.
Já por tempo de mais aqui andamos
A fingir de razões suficientes.
Sejamos cães do cão: sabemos tudo
De morder os mais fracos, se mandamos,
E de lamber as mãos, se dependentes.
José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"
Saramago. Muita saudade.
Que Humanidade é Esta?Se o homem não for capaz de organizar a economia mundial de forma a satisfazer as necessidades de uma humanidade que está a morrer de fome e de tudo, que humanidade é esta? Nós, que enchemos a boca com a palavra humanidade, acho que ainda não chegámos a isso, não somos seres humanos. Talvez cheguemos um dia a sê-lo, mas não somos, falta-nos mesmo muito. Temos aí o espectáculo do mundo e é uma coisa arrepiante. Vivemos ao lado de tudo o que é negativo como se não tivesse qualquer importância, a banalização do horror, a banalização da violência, da morte, sobretudo se for a morte dos outros, claro. Tanto nos faz que esteja a morrer gente em Sarajevo, e também não devemos falar desta cidade, porque o mundo é um imenso Sarajevo. E enquanto a consciência das pessoas não despertar isto continuará igual. Porque muito do que se faz, faz-se para nos manter a todos na abulia, na carência de vontade, para diminuir a nossa capacidade de intervenção cívica.
José Saramago, in 'Canarias7 (1994)'
sábado, 16 de junho de 2012
Cristovam Pavia
Entre vós, minhas árvores, me firmo
Neste chão, com íntima paciência.
Entre vós as palavras desgastadas
São raízes e pétalas lavadas
... E a solidão deste silêncio é minha.
Cristóvam Pavia
Poesia
Os Amigos
no regresso encontrei aqueles
que haviam estendido o sedento corpo
sobre infindáveis areias
tinham os gestos lentos das feras amansadas
e o mar iluminava-lhes as máscaras
esculpidas pelo dedo errante da noite
prendiam sóis nos cabelos entrançados
lentamente
moldavam o rosto lívido como um osso
mas estavam vivos quando lhes toquei
depois
a solidão transformou-os de novo em dor
e nenhum quis pernoitar na respiração
do lume
ofereci-lhes mel e ensinei-os a escutar
a flor que murcha no estremecer da luz
levei-os comigo
até onde o perfume insensato de um poema
os transmudou em remota e resignada ausência
Sete Poemas do Regresso Ao Lázaro
de Al Berto in O Medo
quinta-feira, 14 de junho de 2012
Durante o Sono
DURANTE O SONO
Durante o sono retiraram-me uma costela
Ficou-me no peito um vazio que não consigo preencher
Custa-me a respirar
Eu quero de volta a minha costela
quero de volta todas as costelas
Quero de volta o paraíso
quero de volta o silêncio rumorejante
quero de volta as poluções nocturnas
e diurnas
Quero uma mulher
feita de chuva
e vento
e fogo
e neve
e luz
e breu
e não de argila
como eu
Jorge de Sousa Braga
O Novíssimo Testamento e Outros Poemas
quarta-feira, 13 de junho de 2012
terça-feira, 12 de junho de 2012
Rosto
E se eu vos dissesse que estes pés são meus, estes sapatos são meus..., estaria a dizer a verdade mentindo.Com tristeza. Quem bem me conhece sabe que estes pés são meus, que estes sapatos são meus. Que eu estou a falar verdade dizendo mentiras.
Quem me conhece sabe-me!
Isaura M.Sousa
Quem me conhece sabe-me!
Isaura M.Sousa
Liberdade
Se o homem pudesse dizer o que ama,
Se o homem pudesse levar o seu amor pelo céu
Como uma nuvem na luz;
Se como muros que se derubam,
Para saudar a verdade erguida no meio,
Pudesse derrubar o seu corpo para deixar só a verdade do amor,
A verdade de si mesmo;
Que não se chama glória, fortuna ou ambição,
Mas sim amor ou desejo,
Eu seria aquele que imaginava;
Aquele que com a língua, os seus olhos e as suas mãos
Proclama perante os homens a verdade ignorada,
A verdade do seu amor verdadeiro.
Liberdade não conheço outra senão a liberdade de estar preso a alguém
Cujo nome não posso ouvir sem um calafrio;
Alguém por quem me esqueço desta existência mesquinha,
Por quem o dia e a noite são para mim o que queira,
E o meu corpo e espírito flutuam no seu corpo e espírito
Como troncos de árvore perdidos que o mar submerge ou levanta
Livremente, com a liberdade do amor,
A única liberdade que me exalta,
A única liberdade por que morro.
Tu justificas a minha existência:
Se não te conheço, não vivi;
Se morro sem te conhecer, não morro, porque não vivi.
Luís Cernuda
segunda-feira, 11 de junho de 2012
sábado, 9 de junho de 2012
Vaidosa
Imaginem só, encontrei estes sapatos hoje de manhã num passeio pela cidade. Não resisti! Têm mesmo ar de férias..., ainda por cima com flores, amei!
Cactus e mais Cactus
Os cactus da minha cozinha. Eles gostam de mim!
São pequenos apontamentos decorativos que funcionam sempre em qualquer lugar, mesmo numa mini casa como a nossa. Há sempre um cantinho para eles. Para além de tudo, são muito generosos nos cuidados, eles sabem da nossa falta de tempo e então não reclamam regas e mais regas e conseguem ficar sós quando vamos de férias. Esperam por nós quando regressamos de férias. São lindos.
O Saber da cereja . Continuação.
De repente fiquei com muitas saudades dos trabalhos do "Sabor da Cereja".
De certeza que quer dizer que me tornei numa grande preguiçosa e isso não, não, não. Não pode ser. Preciso disto.
Espero que gostem. A nossa vida vai repartindo a poesia nas suas mais diversas situações.
De certeza que quer dizer que me tornei numa grande preguiçosa e isso não, não, não. Não pode ser. Preciso disto.
Espero que gostem. A nossa vida vai repartindo a poesia nas suas mais diversas situações.
Passatempo
Hoje resolvi fazer estas pulseirinhas. Pérolas de cultura e um coral lindo em forma de flor. Estão bem na moda e ficam lindas misturadas com os relógios e outras tralhas apetecíveis. Vaidades que nos vão fazendo muita companhia e nos fazem criar.
sexta-feira, 8 de junho de 2012
Quem sou eu para aconselhar...
"...são os sonhos que seguram o mundo da sua órbita"
"...não há diferença nenhuma entre cem homens e cem formigas, leva-se isto daqui para ali porque as forças não dão para mais, e depois vem outro homem que transportará a carga até à próxima formiga, até que, como de costume, tudo termina num buraco, no caso das formigas lugar de vida, no caso dos homens, lugar de morte, como se vê não há diferença nenhuma."
"...e em tantas noites passadas, uma terá havido em que sonharam o mesmo sonho, viram a máquina de voar batendo as asas, viram o sol explodindo em luz maior, e o âmbar atraindo o éter, o éter atraíndo o íman, o íman atraíndo o ferro, todas as coisas se atraiem entre si, a questão é saber colocá-las na ordem justa, e então se quebrará a ordem."
"Dormiu cada qual como pôde, com os seus próprios e secretos sonhos, que os sonhos são como as pessoas, acaso perdidos, mas nunca iguais..."
Sou suspeita..., adoro Saramago!
Conheçam-no, leiam-no !
"...não há diferença nenhuma entre cem homens e cem formigas, leva-se isto daqui para ali porque as forças não dão para mais, e depois vem outro homem que transportará a carga até à próxima formiga, até que, como de costume, tudo termina num buraco, no caso das formigas lugar de vida, no caso dos homens, lugar de morte, como se vê não há diferença nenhuma."
"...e em tantas noites passadas, uma terá havido em que sonharam o mesmo sonho, viram a máquina de voar batendo as asas, viram o sol explodindo em luz maior, e o âmbar atraindo o éter, o éter atraíndo o íman, o íman atraíndo o ferro, todas as coisas se atraiem entre si, a questão é saber colocá-las na ordem justa, e então se quebrará a ordem."
"Dormiu cada qual como pôde, com os seus próprios e secretos sonhos, que os sonhos são como as pessoas, acaso perdidos, mas nunca iguais..."
Sou suspeita..., adoro Saramago!
Conheçam-no, leiam-no !
Séneca
O Temor Combate-se com a EsperançaNão haverá razão para viver, nem termo para as nossas misérias, se fôr mister temer tudo quanto seja temível. Neste ponto, põe em acção a tua prudência; mercê da animosidade de espírito, repele inclusive o temor que te acomete de cara descoberta. Pelo menos, combate uma fraqueza com outra: tempera o receio com a esperança. Por certo que possa ser qualquer um dos riscos que tememos, é ainda mais certo que os nossos temores se apaziguam, quando as nossas esperanças nos enganam.
- Autoridade vã, espírito vão: ou inventou, ou lho contaram.
Flutuamos ao mínimo sopro. De circunstâncias duvidosas, fazemos certezas que nos aterrorizam. Como a justa medida não é do nosso feitio, instantaneamente uma inquietude se converte em medo.
Séneca, in 'Dos Reveses'
Saramago
O País é Pequeno e a Gente que nele Vive também não é GrandeEm tempos disse que Portugal estava culturalmente morto. Talvez o tenha dito em determinado momento, mas também o diria hoje porque Portugal não tem ideias de futuro, nenhuma ideia do futuro português, nem uma ideia que seja sua, e vai navegando ao sabor da corrente. A cultura, apesar de tudo, tem sobrevivido e é aquilo que pode dar do país uma imagem aberta e positiva em todos os aspectos, seja no cinema, na literatura ou na arte - temos grandes pintores que andam espalhados pelo mundo. Mas o Almeida Garrett definiu-nos de uma vez para sempre e de uma maneira que se tem de reconhecer que é uma radiografia de corpo inteiro: «O país é pequeno e a gente que nele vive também não é grande.» É tremenda esta definição, mas se tivermos ocasião de verificar, desde o tempo do Almeida Garrett e, projectando para trás, efectivamente o país é pequeno (...), mas o que está em causa não é o tamanho físico do país mas a dimensão espiritual e mental dos seus habitantes.
José Saramago, in 'Uma Longa Viagem com José Saramago (2009)'
Amor como em casa
Amor como em CasaRegresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.
Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"
quinta-feira, 7 de junho de 2012
Ficar
terça-feira, 5 de junho de 2012
Terras do Demo
Por terras de Fráguas. Rebanhos de cabras olvidam o dia santo de domingo e passeiam-se nos descampados da serra crestada pelo sol que com dureza incendeia os recantos mais frescos dos montes. A dureza da vida é a dureza da terra. Terras do Demo, Terras de Aquilino.
Fotografia de
Adriano Bastos
Fotografia de
Adriano Bastos
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