Seguidores

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

SABOR

Alguma pergunta me socorre quando adormeço no teu colo,
murmúrios e sorrisos infinitos dançam como sombras cambaleantes vindas do fim do mundo.
Retiro do peito frutos mirrados pelo vento e secos pelo sol.
Seguro as mãos, aperto-as e cerro os lábios com a mesma ferocidade com que partilho contigo este momento.

Isaura Sousa
30-01-2014


segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Quem não tem saudades ?

A invenção do amor



Em todas as esquinas da cidade
nas paredes dos bares à porta dos edifícios públicos nas
janelas dos autocarros
mesmo naquele muro arruinado por entre anúncios de apa-
relhos de rádio e detergentes
na vitrine da pequena loja onde não entra ninguém
no átrio da estação de caminhos de ferro que foi o lar da
nossa esperança de fuga
um cartaz denuncia o nosso amor
Em letras enormes do tamanho
do medo da solidão da angústia
um cartaz denuncia que um homem e uma mulher
se encontraram num bar de hotel
numa tarde de chuva
entre zunidos de conversa
e inventaram o amor com carácter de urgência
deixando cair dos ombros o fardo incómodo da monotonia 
quotidiana
Um homem e uma mulher que tinham olhos e coração e
fome de ternura
e souberam entender-se sem palavras inúteis
Apenas o silêncio A descoberta A estranheza
de um sorriso natural e inesperado
Não saíram de mãos dadas para a humidade diurna
Despediram-se e cada um tomou um rumo diferente
embora subterraneamente unidos pela invenção conjunta
de um amor subitamente imperativo
Um homem uma mulher um cartaz de denúncia
colado em todas as esquinas da cidade
A rádio já falou A TV anuncia
iminente a captura A polícia de costumes avisada
procura os dois amantes nos becos e avenidas
Onde houver uma flor rubra e essencial
é possível que se escondam tremendo a cada batida na porta 
fechada para o mundo
É preciso encontrá-los antes que seja tarde
Antes que o exemplo frutifique Antes 
que a invenção do amor se processe em cadeia
Há pesadas sanções para os que auxiliarem os fugitivos


(...)

Daniel Filipe
A Invenção do Amor e Outros Poemas

domingo, 26 de janeiro de 2014

Regresso

A Estrada BrancaAtravessei contigo a minuciosa tarde 
deste-me a tua mão, a vida parecia 
difícil de estabelecer acima do muro alto 

folhas tremiam 
ao invisível peso mais forte 

Podia morrer por uma só dessas coisas 
que trazemos sem que possam ser ditas: 
astros cruzam-se numa velocidade que apavora 
inamovíveis glaciares por fim se deslocam 
e na única forma que tem de acompanhar-te 
o meu coração bate 

José Tolentino Mendonça, in 'A Estrada Branca'

T